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08/05/12

Viver Viver


Ao cair da tarde

Levantei um manto

Olhei o relógio

Desatei num pranto


 

Deixei uma onda

Crispada no mar

Deixei-te sozinho

A falar a falar


Subi um rochedo

Cortei uma mão

Meu muso, amigo

Amor, meu irmão


Abrimos a porta

Tentamos entrar

Fechamos o livro

A calar a calar

 

Dançámos a noite

Brindámos o dia

E fomos ao norte

Que volta tardia



Subimos a escada

Duma moradia

De onde não saímos

Onde não entrámos


Olhei-te nos olhos

Abriste a alma

Beijei-te por dentro

Deixaste-me calma

 

Sabemos de cor

A canção do Ser

E juntos sentimos

Viver Viver



07/05/12

Eu eu eu eu

A dor que trago hoje
Tentei nomeá-la
E não consigo
Tem qualquer coisa de pó de garganta
E enche de vazio todo o peito
Uma dor que só de si já faz doer
Uma dor sem principio nem fim – como Deus
Uma dor sem meio, uma dor sem jeito

Para onde quer que torne o olhar, tudo me dói
Neste quarto olho os colares coloridos
Pendurados no espelho
E os colares parecem-me tristes e angustiados
São colares de ontem, do tempo que passa
São colares que nunca mais usei
Um a um todos perderam a graça

E no chão do quarto por cima das tábuas
Estão estendidos tapetes que nunca mais pisei
E no tecto falso que me olha altivo
Está o candeeiro que não vou acender
E nas paredes do quarto que me parecem vazias
Estão os quadros todos que eu não queria ter

Esta é uma dor daquelas que não tem nome
Daquelas que nos devora enquanto come
Daquelas que embala para dormir
É uma dor que não tem casa nem tem mesa
É uma dor de quem não tem a certeza
Uma dor de quem não tem como cair

É uma dor como quando temos uma torneira a pingar
Primeiro parece que não há problema
Um dia percebemos que nos estamos a afogar
E era só ter fechado a torneira
Ter mudado a braçadeira
Ter travado a brincadeira
Ter mudado de banheira
Ter parado com a conversa
Que não leva a nenhum lado
A não ser aquele sitio onde as pessoas se afogam
Em palavras e em águas
Águas mornas e paradas
De quem pensa que a razão é o que nos vai salvar
Quando toda a gente sabe que palavra é ternura
E que a água, muito usada, torna-se sempre tão dura


É uma corda que se enrola devagar na cintura
E vai subindo e apertando até chegar ao pescoço
É a angústia que não nos deixa chorar
É a tristeza de te querer abraçar
É o fosso, é o fosso
É a ponte e é o rio
É o vinho e é o pão
É sempre a dizermos que sim
É sempre a dizermos que não

Esta dor que hoje trago
Não a consigo nomear
Vem depois das descarriladas palavras
Que me atingem de frente e de lado
Que nos doem, nos afogam
mas parece sempre tão urgente falar
Num aparelho frio, que desliga
Que depois de se calar e nos calar
É só um aparelho preto, frio e cru
E fica ali sozinho a olhar-nos e acusa-nos
tu tu tu tu