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21/07/15

Viver


Começa nos braços e muito devagar, desce
É uma dor que avança, penetra e mexe
Não há como fugir e depressa sobe
Não tem nada de belo, não tem nada de nobre


É a dor do silêncio de quem desistiu
Uma coisa fechada que nunca mais abriu
É a vontade de virar costas e começar a descer
É a certeza crua de não poder permanecer


São os olhos cansados de quem se perdeu
Na luz de um corpo que nunca acendeu
É a dor, é a dor que vem de mansinho
A chorar o amor, mendigar um carinho


Nada se move nas vidas que se arrastam
Tudo se enche das coisas que se afastam
E de repente o grito do que já não sou
Que ressoa dentro do que não te dou


É a vida a esvair-se em largos tragos
A boca cerrada, os olhos alagados
Num mar de desespero e da tua solidão
É nunca mais a tua mão na minha mão


Começa nos braços e muito devagar, altera
Ao percorrer o corpo abre uma cratera
Onde cabe tudo o que eu podia ser
E onde não me resta nada senão morrer


Mas de repente a palavra aparece, escrita
Não é doce nem terna, nem sequer é bonita
A palavra lembra-nos que escolhemos a sorte
E que p'ra viver é preciso lembrar a palavra morte


A palavra lembra que respirar é preciso
Que podemos ajudar a construir um abrigo
Que apesar da ceifa e apesar do perigo
Podemos sempre ganhar um amigo...











27/05/15

Calai-vos imortais...
Não podereis saber do que faleis.
Nada sabereis das minhas cíclicas mortes...
das minhas sortes, nada nunca sabereis do que se cala...
e ficareis vós, bem melhor assim!

10/04/15

Só é possível ficar

A dança de dois corpos que se amam
Entre o que já foi e o que não deve ser
Entre as escolhas que te trouxeram a mim
De entre as mulheres que tinhas p'ra escolher

A cama que nos recebe tardia
Numa valsa sem rendas nem passos
Numa frescura desejada e doce
Feita de amor, apertos e abraços

A casa cheia cheia de ti e de mim
Cheia de cheiros, memórias e sabores
Recebe-nos na calma das noites
depois da perda de todos os amores

E ficamos os dois frente e frente
Com algo que não é só amor
é uma liberdade diferente
de uma ternura premente
Onde se conta uma história
que é triste e é contente
é mais que o amor é Amar
e estando nós dois frente a frente
é impensável pensar
E sentindo, como sempre
só é possível ficar.


05/04/15

No meu colo descansas

Dir-se-ia que nascemos um do outro
Como se antes de nós dois,
nunca tivessem havido outras vidas
E as que houveram foram todas em vão, perdidas
Não foram, sequer, como esta, sentidas

E as que houveram foram apenas cenas todas repetidas
Como num filme barato
Onde não hove verdade nem nunca houve mentira

Aqui e agora
tudo temos.
Tens a tua mão na minha
e os braços fortes que nao me deixam partir
e temos algo só nosso de onde não quero sair

E a meio da tarde temos, várias noites repentinas
onde me enches de ti
onde hoje e sempre, em surdia
me amas doce e serena
ou exaltada outra vez,
Acalmo-te com tudo o que sou
Acalmas-me com tudo o que és

No teu colo descanso
No meu colo descansas
E sem precisarmos razões
Amo repetidamente tudo outra vez.

02/04/15

Um chá, num dia em que o sol se pôs na estrada. 
E afinal era a tua mão que tocava uma campainha. 
Era a minha porta. 
Eram todas as minhas portas e abri-as mas parecia só uma porta. 
A que tu viste.
E abri todas as janelas e esperei... 

A noite fresca entrou pela janela devagar e sentou-se 
a ver uma televisão acesa que nós não víamos.
Deitados numa das portas abertas ajeitámos as almofadas 

e deixámo-nos estar, como se a noite não estivesse ali. 

Nem a incongruência dos verbos nem a razão me consegue impedir de abir todas as portas; 

e nem o tempo nem o espaço e muito menos os relógios compassados te impedem de vir, entrar e ficar... 
como se a noite não estivesse sentada na sala, a ver televisão e nós não.

Tapa-me devagar. Adormece.
Fica a porta aberta...