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26/12/13

Presente envenenado

Ó tempo que custas passar
Ó dia que teimas em chover
devolve-me a história que eu tinha
aquela de outrora, que fiz por merecer.

De branco e de negro como tu me vês
Sem saber que sou a rainha das cores
Condenas-me como mataram Inês
chamada de Castro, rainha das dores

E Inês não sou ou seria rainha
eu sou o inimigo do presente
Que não tem futuro, se não há passado
eu sou um presente transparente

Amarras-me as mãos e cortas-me os pés
e enches-me a boca de pétalas de flor
para quem já caminhou, como eu, de lés-a-lés
só consegues parar-me em nome do Amor

Ó quimera seca por onde enveredei...
Ó fantasia oca em que acreditei...
Eu não sou futuro, eu não sou passado,
eu sou o presente envenenado!


Palavras pisadas

Era negro o dia que amanheceu
numa força inerte, trazida do antes
todas as palavras caíram no chão
e, molhadas, pisei-as para não as dizer
mas disse.
Porque aquilo que não é ouvido
é como se nunca se tivesse pronunciado
e, nesse caso, repetir não é voltar a dizer
fica apenas um redizer pela primeira vez
na esperança que as palavras não se molhem
não caiam no chão e não se pisem
as palavras pisadas não têm razão de ser
nunca foram ouvidas e não vão acontecer

Nos lençóis quentes, tantas vezes navegados
as palavras não ditas foram ouvidas, se calhar
e porque as palavras não ditas não podem ser pisadas
calámos.
Era branca a noite que entardeceu
e as palavras ditas esqueci, esqueceste
num dia diferente vivido em penumbra
era doce o vinho que do meu peito sorveste
e terno era o colo onde te embalei
tão forte esse teu braço que não me deixa sair
tão grande, meu amor, esta vontade de ficar
secámos as palavras pisadas, e em surdina
ouvi-te dizer - Não consigo ir... e pensei - talvez amar...






01/12/13

Os muros

Sempre que choro de preocupação por alguém
percebo que amo. 
Não só aquela lamechiçe feita de carinhos e ternuras, 
mas aquela coisa forte e afiada, 
que nos corta a garganta, nos estilhaça o coração,
que nos mostra de frente que não valemos nada
nos encosta à parede e nos passa por cima
e que apesar da impotência para ajudarmos
não nos impede de chorar
não nos impede de acordar
não nos impede de amar
da forma mais crua que temos p'ra dar.

Mas quando os muros, altaneiros,
são feitos por ti e para ti
engulo em seco e sinto a garganta a gelar
nada do que diga, vale a pena...
nem nada do que sou, sou tão pequena

A quem não quer ouvir, não adianta falar
ninguém obriga ninguém a amar!