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27/07/14

A Tarde

A parede amarela termina onde começa o céu
naquela casa mantida entre o cuidado e o desapego.

Murmuram turistas cegos pela luz que Lisboa irradia 
bate nos copos e desagua num rio, que nunca mais foi o mesmo.

As mãos entrelaçam-se entre as palavras sem se sobreporem. Existem.

Parece o dia que termina, mas não. O aluno nunca veio ver o mestre à relva inexistente e como qualquer grande homem ele terminou a bebida e inspirou parte do momento, abriu o peito, quase doido de tão azul e disse para dentro dela:


- Vamos viver!


20/07/14

As mãos

Eu tinha uma mala na mão e tu tinhas outra
Normalmente saíamos ao mesmo tempo
Íamos ao mesmos lugares comuns
Descobríamos como é bom conhecer o desconhecido
Amar o improvável, encontrar o perdido

Eu tinha uma mão na mão e tu tinhas outra
Invariavelmente a minha mão era tua, para apertares devagar
E a tua mão era aquela que eu cheirava com ternura
De olhos fechados e dizia, em surdina, esta mão é minha
E ríamos divertidos quando nos liam a sina

Eu tinha uma sina na mão e tu tinhas outra
Entre cruzes e canhotos, entre ruelas e escombros
Encontrávamos caminhos que corríamos descalços
Sem saber que a mão que apoia é também a que afasta
Quando o riacho transborda ou quando a vida está gasta

Eu tinha uma pedra na mão e tu tinhas outra
E foi durante muito tempo que nos olhámos devagar
Como quem mira de perto alguém que se vai matar
Podíamos ter feito castelos, podíamos ter feito trilhos
Mas lançámos as pedras em frente, sem dó nem piedade
E largámos as malas, as mãos e a sina, que já não eram verdade...