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21/09/14

11 de Setembro

Madrugada fora, as explicações vinham como ondas rasteiras
com a sua espuma branca de quem veio da tempestade
E o nó na garganta, que apertava e rugia
Já não era só saudade

À velocidade da palavra - Agora - e à permissão de um - Vem
de novo a porta se abriu à dúvida do que se deve
O abraço surgiu por entre as veias quentes
E nunca mais foi breve

Nos quilómetros que separaram o que fomos do que somos
ficaram as marcas do que nos outros procurámos, em vão, sentir
ficaram as tentativas de renascermos um sem o outro
e a incapacidade de partir

Em outros corpos procuramos apenas uma razão
mas nunca em ninguém encontrámos a força esmagadora
que em nós reconhecemos quando a tua mão está na minha mão

Jurámos amor num pacto nada silencioso, na noite
que ecoou pelas ruas e em forma de canto, de choro e de riso
nos selou as horas com abraços longos e repetidamente finitos
como a entrada directa para o paraíso

Entre as palavras atropeladas mas firmes que me disseste
Chorei contigo, o desespero, como se me tivesses morrido
Porque ver-te quereres ressuscitar das cinzas o que cuidadosamente mataste
É o mesmo que ver renascer um filho

Ternamente como um animal aconchega a sua cria
Cuidaste de mim e de quase toda a minha dor
Todos os sentimentos foram nossos por um dia
Em que me elevaste inteira com o teu amor

Agora decididos como a água de um rio que transborda
por já não poder mais fechado nas pacatas margens
Queremos a vida que é nossa por direito
Sem refrear, sem esconder e sem paragens


Se eu soubesse que a vida nos ia permitir este reencontro
como quem exige uma herança que lhe é devida
em que me confirmas que as estações são todas nossas
Será que tinha sofrido igual a despedida?

10/09/14

O fim do Verão

A ansiedade desenha-se a cada letra escrita
como um quadro que tantas vezes já se começou
E tantas outras se apagou até já não restar mais nada

As linhas do caminho de ferro terminaram
por não haverem mais comboios a passar
Assim como as linhas telefónicas e as linhas da mão

O problema é que cheira a rosmaninho acabado de apanhar
Parece a tua mão que envolve parte do meu ombro novamente
Mas afinal é só o tempo a esfriar




27/08/14

Sempre achei que as árvores, como as pessoas, têm muito para nos dizer. 
Entre emaranhados de ramos e folhas entrelaçadas encontro o silêncio que nunca é o meu. 
Já do céu azul... não sei nada.




16/08/14

Felizmente desiludida

Desilusão é viver sem ilusão
Sem acreditar no que não é
Sem esperar a volta da maré
Sem julgar ser grande o que é vão

E é isso que desejo para o resto da vida
Andar assim feliz e eternamente desiludida
E hoje ninguém mais ama desalmadamente
Tudo ama com alma...
E a alma é tão pequena pr' aquilo que agente sente
Acusada de gostar demais, parti
E vezes sem conta, desisti
sem fé, de ser assim.

Não quero sair de mim
Nem ter quem me critique
Quem me quiser amar que fique.

Les pensées

Poisar as mãos no colo
e aceitar todas as portas e as janelas abertas

Retirar os tapetes da casa para ter a certeza
que todo o chão que piso é igual

Confirmar a dureza da parede branca
e decidir não me magoar

Pegar em dois cordéis de ráfia, personificando
as rédeas da vida que não comando

Entender que sinto quando dou inteira
Parte da maneira como nunca mais eu vou amar

27/07/14

A Tarde

A parede amarela termina onde começa o céu
naquela casa mantida entre o cuidado e o desapego.

Murmuram turistas cegos pela luz que Lisboa irradia 
bate nos copos e desagua num rio, que nunca mais foi o mesmo.

As mãos entrelaçam-se entre as palavras sem se sobreporem. Existem.

Parece o dia que termina, mas não. O aluno nunca veio ver o mestre à relva inexistente e como qualquer grande homem ele terminou a bebida e inspirou parte do momento, abriu o peito, quase doido de tão azul e disse para dentro dela:


- Vamos viver!


20/07/14

As mãos

Eu tinha uma mala na mão e tu tinhas outra
Normalmente saíamos ao mesmo tempo
Íamos ao mesmos lugares comuns
Descobríamos como é bom conhecer o desconhecido
Amar o improvável, encontrar o perdido

Eu tinha uma mão na mão e tu tinhas outra
Invariavelmente a minha mão era tua, para apertares devagar
E a tua mão era aquela que eu cheirava com ternura
De olhos fechados e dizia, em surdina, esta mão é minha
E ríamos divertidos quando nos liam a sina

Eu tinha uma sina na mão e tu tinhas outra
Entre cruzes e canhotos, entre ruelas e escombros
Encontrávamos caminhos que corríamos descalços
Sem saber que a mão que apoia é também a que afasta
Quando o riacho transborda ou quando a vida está gasta

Eu tinha uma pedra na mão e tu tinhas outra
E foi durante muito tempo que nos olhámos devagar
Como quem mira de perto alguém que se vai matar
Podíamos ter feito castelos, podíamos ter feito trilhos
Mas lançámos as pedras em frente, sem dó nem piedade
E largámos as malas, as mãos e a sina, que já não eram verdade...







25/06/14

Tudo em ordem

Não se inquietem com a minha ausência
Tudo continuará igual
Os talheres na primeira gaveta
A pega ao pé do avental
A vizinha às vezes toca e vem pedir ovos
E o cão que se ouve ladrar não é meu
A cama, feita de lavado, tem lençóis novos
Se se fecham os cortinados não entra luz
Não se reguem as plantas que são de plástico
Não se abram garrafas quando eu não estou
Não se faça café se eu me demoro
E eu ainda não sei se vou demorar

Ainda nem sei para onde vou
Quanto mais a que horas vou voltar.

24/05/14

Saber de Mim

Gostaria de saber quem sou
Para saber em quem pensas...
Se a areia se mantém molhada
Sob os nossos pés doridos...
Se as crianças ainda brincam
Com os trapos coloridos...
Se as ruas que conheço
Levam sempre ao mesmo lado...
Se na vida após a morte
Te encontro, renovado.

Gostaria de saber se o nome que trago
Foi perdido ou foi roubado.
Se vale a pena pensar-me
Ou se sou sonho acabado...
Se a tua esperança é real
Ou não leva a nenhum lado...
Se quando em mim repousas
Não acordas mais cansado
Num sublime despertar
De um só corpo entrelaçado.

Gostaria de conhecer o meu cheiro
Para saber onde me encontrar.
Onde deixei os sapatos
Para com eles andar...
Saber as linhas com que coso
Cada doce adormecer
E se os sonhos são de um
Ou serão nossos
Estes sonhos que visito sem querer...

Ao pensares-me completas peças
Do que já não sou
Desfazes-me e compões-me
Com o que eu não dou
Remendas-me e provocas
O que há em mim
E torna esta vontade de Ser
De não voltar a morrer
De saber de mim.




http://youtu.be/LNwBAPfshKI

11/05/14

Adeus


Nunca lamentes um Adeus que já vem tarde...
Olha-o de frente e respira-o em silêncio.

Simplicidades

Ás vezes é preciso saber redizer 'olá' à praia
Aos dias de Sol, aos amigos de verdade
A quem gosta de nós com tudo o que somos
Aos dias simples e felizes

Ás vezes é preciso saber dizer Adeus
Ao peso do que nos prejudica
Ao hábito que nos prende
E à incapacidade dos outros de serem felizes
Connosco






30/04/14

Não implorar o amor

Ensinaste-me a não implorar o amor
A viver mais devagar, como se valesse a pena
A acreditar no tempo como uma coisa serena
Que tudo resolve e engrandece , que tudo amena

Ensinaste-me a não implorar o amor
A cada dia que passa, aceitar a solidão
Como coisa passageira mas que é preciso passar
Como uma dor que conforta e ensina a não chorar
Pensava eu que me ensinavas a esperar

Mas tu só me ensinavas a não implorar o amor
A calar a cada noite a minha dor
A aceitar o teu tempo e todas as razões
A devolver o abraço depois das discussões
A transformar em riso todas as desilusões

Ensinaste-me a não implorar o amor
Nem a implorar nada
A não viver as festas nem os carnavais
A não ligar aos amigos nem aos natais
A esperar a passagem dos vendavais


Ensinaste-me no fundo a não te querer mais.


23/03/14

18/01/14

A escolha que nunca fiz

Às vezes temos consciência que nem todas as coisas estão nas nossas mãos
E nas mãos de quem estão, não há consciência do tamanho do todo.

O resto, fará parte do grande plano do Universo que nunca compreenderemos.
Nem sempre as nossas escolhas são completamente feitas por nós, mas sim por algo inodoro e incolor, sem paladar nem som, algo que nos habita e que nunca viremos a conhecer, mas somos nós...

Às vezes não temos consciência que o tempo não é infinito, não o nosso tempo; mas comporta-mo-nos como se fosse.

E um dia aprenderemos isso, de uma forma ou de outra, porque o tempo finda no fim de cada coisa e não avisa.

Olharemos para trás e daremos conta que - um dia tivemos consciência que nem todas as nossas escolhas estavam na nossa mão e as que estavam não as fizemos...
Num passar de tempo, lembrar-nos-emos como olhámos a nossa mão e ela estava vazia e saberemos, como soubemos na altura, que a escolha que fizemos não era a nossa mas aquela que fomos forçados, pela a vida, a fazer.

O Tempo é cruel ou generoso, dependendo da taça em que é servido.
É uma água que faz sede, é despertar sem aviso...
Podemos fingir por algum tempo, que o tempo não nos importa
Que o longe se faz perto, que quem espera sempre alcança, que a esperança nunca é morta...

Mas um dia teremos consciência que temos uma essência de Ser,
e que quando somos apartados dela e quando fingimos não a ter
Vem o tempo, cedo ou tarde, mostrar-nos que quando escondemos a nossa forma de ver, vem o Universo e corta vagarosamente a possibilidade que tínhamos de escolher.