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07/12/10

Pensamentos ainda do meu Século Passado, quando ainda fumava... " TEORIA DO 'PICK' E DO 'BUM"

Antes de começar a escrever estive "horas" à procura de lume para acender o primeiro cigarro do dia (é quase meio-dia) e não encontrei... Deve ser alguma vontade divina que não quer que eu fume. Ok.
Ao abrir a agenda de trabalho encontro num canto de uma página um apontamento:
"Alheia-te da vontade de ser feliz e jamais sentirás o peso de ter me mantê-la!"... e fiquei a pensar nisto.
Hoje o dia está cheio de significados.

Desde ontem ando com um pressentimento qualquer... uma leve dor no estômago que de vez em quando se transforma numa leve irritação sem motivo aparente ahhh mas o motivo aparece... aparece sempre.

Voltando à frase da minha agenda, é de uma força e de uma ironia e até de uma verdade que até faz doer. Realmente o que custa não é ter vontade de ser feliz, o que custa ás vezes é manter essa vontade apesar de tudo. Apesar do tempo que passa e das desilusões que não passam assim tão facilmente como o tempo.

Há um mês estava eu feliz, cheia de projectos egocêntricos, fáceis de concretizar porque só dependiam de mim. É o que tem de bom o egocentrismo, é que quer se chegue, ou não, a concretizar seja o que for só diz respeito a nós e só depende de nós e da nossa vontade. É mais prático e não magoa... só às vezes, um ou outro sentimento de solidão distraída, que aparece de surpresa no meio de um dia, sempre muito atarefado.
Porque as pessoas egocêntricas são sempre muito atarefadas, mesmo que não tenham nada que fazer, porque assim não pensam tanto em si, o que é bom.

Apesar que, como tudo na vida, há o outro lado. Pois - o outro lado.
Normalmente sente-se o "outro lado" quando se está no meio da multidão, aliás é no meio da multidão que mais se sente quando se está só.
Quando numa mesa enorme e cheia de amigos todos estão dispostos frente a frente, aos pares, e ficamos nós no topo da mesa... ou quando numa mesinha de bas de 4 cadeiras os casais se sentam e nós puxamos o banquinho mais próximo, tão desconfortável... quando na mesa do restaurante não fica ninguém à nossa frente... no fundo não fazemos parte da mesa, nem daquele universo de casais que nos é muito mais visível à noite, nas saídas e nos copos, já para não falar em casa... quando não está lá mais ninguém para comentarmos seja o que for...   Mas à noite não deixamos de nos divertir, de conversar, de dançar, e ás vezes nem nos damos conta desta realidade crua, ou rejeitamos essa hipótese de solidão dramática ao afirmarmos que estamos melhor sozinhos... assim não nos chateamos, e é verdade, mas também não há compensações, não há mais nada.
Não temos os ciúmes ao nosso lado, ou a opinião contraditória, ou as birrinhas do parceiro... mas isso inclui tudo, isso quer dizer que também não temos a quem dar desinteressadamente, não temos com quem partilhar aquele sorrisinho maroto, a cumplicidade dos dias, não temos o companheirismo de um amigo total, que pensa em nós, em quem pensamos de uma maneira forte e bonita.

Ah, mas temos boas desculpas, dizemos que temos os amigos, mas os amigos não preenchem todas as lacunas. Claro que temos os amigos e quando saímos só com amigos nota-se muito menos essa diferença, especialmente se formos todos egocêntricos, mas há sempre aquela altura, ou vai haver, em que começa a aparecer a necessidade de mais qualquer coisa, a vontade de algo mais puro...
Procuramos uma amizade baseada no amor, quando o que se queria era um amor baseado numa amizade!

Apesar de estarem sempre aqui as palavras 'amizade' e ' amor' é muito diferente uma coisa da outra.
Há pessoas que nunca passam por isto. São as que passam directamente da adolescência para o estado de casal de namorados, e estão sempre nesse estado ora mantendo-se firmes, ora deixando uns pelos outros mas nunca deixando a dita solidão apoderar-se por completo. Vivem em constante sobressalto com o namorado mais recente, que vai sempre dar lugar a outro ainda mais recente e mais importante.

Enfim, nem tempo têm para ser egocêntricos, nem tempo têm para ser eles próprios de tão atarefados que estão a tentarem ser quem querem que eles sejam. E são sempre diferentes de namoro em namoro habituando-se a não ser nada em especial, sendo tudo em tempos diferentes.

Normalmente distinguem-se dos outros, mesmo quando saem só entre amigos, em grupo, porque são os mais exagerados em tudo. Metem-se com toda a gente, bebem demais, falam alto, gesticulam muito, exageros... porque esses namoros contínuos e quase obrigatórios não lhes dão espaço para respirar, e quando respiram, respiram tudo de uma vez, e fazem tudo o que não era suposto fazerem quando estão acompanhados, pois o preço a pagar, normalmente pela liberdade, é a solidão.

Uma tristeza! Mas não se enganem, são felizes... porque pensam que têm os dois lados e mais do que isso, não sabem que não é bem assim (não lhes contem)

Os outros são diferentes, normalmente tiveram e terminam uma relação poderosa, daquelas relações em que podemos ser nós próprios e em que a outra pessoa tem essa mesma liberdade. São relações lindíssimas, que não têm tempo limite, porque apesar de poderem durar só uma semana ou uma vida inteira, ficam para sempre dentro de nós, naqueles armários cheios de prateleiras que temos no coração.

Relações puras baseadas na amizade, na calma, na confiança, na locura, nos olhares profundos e silêncios bons...
Coisas enormes maiores que o mundo que nos deixam sem respiração e nos elevam acima de qualquer mortal... mas somos todos mortais e as relações também. E algumas morrem! Por esta ou por aquela razão, morrem. E é aí que somos diferentes dos 'outros'.
Ao acabar um sentimento desta natureza, não se consegue olhar para o lado, nem para lado nenhum tão depressa.

Porque o ser humano é analítico, e por isso analisa.

Antes de analisar perde a coragem, perde as forças, perde a vontade, perde o sorriso e a esperança, a jovialidade, o rir. Perde a vontade de comer, ou come demais, tudo isto porque metade de si desapareceu. E era mesmo metade de si! Uma relação destas, em liberdade, não pode ser comparada ás "outras", em que o "desgosto" é curado com o seguinte beijo.
Não.

Aqui não há desgosto, há um desgaste!
Depois o tempo passa, os amigos ajudam. A dor continua lá, mas bem disfarçada de força.
Quando nos dói muito e já não aguentamos mais, diz-se que tocamos no fundo, e para voltar para cima, para a superfície, enchemo-nos de força, uma força que nos vem de dentro e que é feita de 1/2 litro de esperança, 1/2 litro de vontade e 10kilos de dor.

Parece uma desproporção mas é verdade. É de dor que se alimenta toda a força inicial e nem nos damos conta disso e ainda bem... quanto mais dói, mais fortes...

mas pronto, saímos do fundo cheios desta força, e meses ou anos depois começamos a permitir-nos a observação. Andamos despreocupadamente entre os amigos, as saídas, o trabalho, os afazesres, sempre muitos afazeres! Andamos andamos, é um processo que pode demorar anos e de repente - 'Pick'!

Soa-nos um 'Pick' perto do coração. Mas atenção não se confunda com o 'BUM' que nos aconteceu da unica primeira vez. O que deu origem à relação anterior meses ou mesmo anos antes foi um valente 'BUM' bem no centro do coração, do estômago, do baço, bem no centro do corpo... agora não, não nos permitimos tal desaire. Inconscientemente o corpo protege-se. As pessoas são sobreviventes, e o instinto animal faz-nos recuar perante uma situação que já tivemos e que nos fez mal.

É como quando em pequeninos, tocámos no fogo e nos queimámos. Ainda não estamos refeitos dessa dor que nos fica para sempre na memória e da qual nunca recuperamos totalmente. Quando temos de lidar com o fogo novamente as defesas são redobradas, para não nos voltarmos a queimar. Nas relações fortes, como esse fogo, de quando éramos pequenos, funciona igual. retrair é o principal.

Mas depois... o ser humano tem muito de gato. E é curioso e não podemos esquecer que ainda temos aqule 1/2 litro de esperança. Não é muito, é certo, mas está lá. E ás vezes começa-se a tentar ver o que é que se pode estar a passar com esse 'Pick' .
O 'Pick' em situações normais poderia tratar-se de um 'BUM', mas está muito condicionado ao passado de um e ás vezes dos dois.

O 'Pick' vem num olhar, numa conversa, ou numa conversa com olhar.
Nunca se assume de imediato, acima de tudo há o medo do fogo. Pode demorar muito tempo até se assumir o 'P', quanto mais o 'I' o 'C' eo 'K'
E não falo de assumir perante a sociedade, mas de um assumir mais profundo, perante nós próprios cá dentro.

Quando surge o 'Pick' qualquer coisa há. E disfarçadamente vamos analisando a situação de uma maneira muito soft, muito subtil que confunde imenso o outro ser. Porque tanto estamos a reger-nos pelo 1/2 litro de esperança e 1/2 litro de vontade, como nos deixamos invadir pelos 10kilos de dor. Não, isso não nos faz ficar dramáticos ou a chorar, é muito pior - faz-nos frios!
E frios são os mortos, e ás vezes ficamos assim mortos.
Depois cada um lida com a sua "morte" como bem entende, porque acima de tudo somos livres, até de nos magoarmos a nós e aos outros!

Uns desistem! Enchem-se de si próprios e lidam com esse receio - desistindo!
Claro que para quem desiste nunca é uma desistência, mascaramos isso com o facto de poder ser uma forma de lidar com uma relação onde apostamos que não existe nada! Mas é tudo mentira. É uma desistência pelo medo do que vai ser.
É o medo que venha a ser tão bom e que depois nos caia em cima, desmoronando-se como um baralho de cartas. E nós já conhecemos o baralho e as cartas... desistimos e damos-lhe outro nome qualquer que aparentemente nos livra do mal e nos descansa. A acaba assim!

Outros não desistem!
Se não desistem continuam, mas continuam devagar... a tremer, a recear, a comparar cada gesto, cada cheiro, cada momento bom, cada pulsar de coração com os sentimentos de outrora. Nunca nos sai da cabeça o que passou, como passou, como doeu, como ainda faz impressão pensar nisso. Normalmente não temos estes pensamentos todos assim escritos na cabeça. Não. Nem sabemos bem da existência deles, e negamos a pés juntos, que não é isso...

Entramos na fase da "negação-positiva-pelo-receio-do que-poderá-ser e- deixar- de-ser"
Então vem a outra fase, inquietamo-nos porque à medida que o tempo avança começamos a pensar mais no outro ser que nos agrada, começamos a sentir-nos bem demais juntos...

E o tempo avança e o medo escondido, começa a trabalhar na nossa cabeça, e começamos a questionar tudo. Normalmente não falamos disso com o ser á nossa frente, e se calhar devíamos, porque o 'Pick' também só existe com pessoas especiais que se calhar nos entendiam e aguardavam como quem aguarda um ente querido que vem de uma batalha. e vem de uma batalha interior. Mas pronto, também somos um bocado estúpidos e ficamos calados. às vezes não nos damos conta do que se está a passar e pensamos que é verdade, quando começamos a pensar que simplesmente não vai resultar por isto e mais aquilo.

Muitos desistem nesta segunda fase. E pronto acabou!

Outros continuam e conseguem talvez depois de muitas fases e muitas análises e questões... soltar o calmo 'BUM' que está guardado para eles no fundo do ser.
Os que desistem nessa segunda fase lá de cima desiste, mas aí e sem saberem, construíram alguém igual ao que eles eram... porque o outro pode ter tido um 'BUM' em vez do 'Pick'. Apaixonou-se e não se deu conta de todos os sinais que nós emanámos em cada silêncio, em cada olhar perdido...

Tomou isso como uma paixão igual à dele (e se calhar até era) como uma coisa especial que o fez planar acima dos mortais, coitadinho... Caiu!

Caiu como nós caímos um dia, porque sentimos demais, e não somos entendidos ou vimos numa altura errada da vida, ou damos essa boa desculpa para não nos mexermos muito...

Se ao menos tivéssemos o 'BUM' ao mesmo tempo
Mas não.
Esse alguém vai perder tudo, como nós, simplesmente porque amou-nos como nós um dia amámos alguém e não fomos aceites nem compreendidos, assim como agora não aceitamos.

E quando esse alguém passar as fases todas, tocar no fundo e voltar acima, porque nós também voltámos, vai ter um 'Pick', e assim como nós pode não saber e construir alguém, como nós o construímos a ele/a.
Tudo isto se passa no inconsciente, pois claro.
E se calhar não é nada assim, e um bom psicólogo dirá melhor tudo o que se passa. Eu até nem percebo nada disso.
Ou se calhar é por isto que olhamos em volta e vimos tão poucas coisas belas , livres e verdadeiras...
Felizmente eu ainda tenho o meu 1/2 litro de esperança... e muita, muita paciência.

Carla Alex
(século passado)

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